DO CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER
Autores: Carla Ripoli Bedone e Gabriel Viegas*
Recentemente, foi sancionada a Lei nº 14.188/2021, que tipificou a título de “crime contra a liberdade pessoal” o delito ora intitulado, nos termos do artigo 147-B do Código Penal:
“Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave”.
Primeiramente, necessário pontuar que, o próprio Código Penal, ao prever aludido delito, dispôs que esse só irá se configurar se não houver tipo penal mais grave que preveja a situação. Por exemplo, o crime do artigo 147-B aduz que está caraterizado crime de violência psicológica contra a mulher a “limitação do direito de ir e vir”. Supondo que no caso concreto referida limitação se insira no artigo 148 do Código Penal, qual seja, sequestro ou cárcere privado (“Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”), esse último deverá prevalecer, pois tem uma pena mais grave (1 a 3 anos de reclusão).
Neste cenário, saliente-se que não é possível a punição por ambos os delitos (artigo 147-B e 148), sob pena de se incorrer em bis in idem, ou seja, uma dupla punição pelo mesmo fato, o que é vedado pelo Direito Penal.
No caso de a mulher ser vítima de cárcere privado, se o crime se inserir em um contexto de violência doméstica, nos termos previstos pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), o autor do delito poderá ser condenado pelo crime do artigo 148, com a agravante genérica do artigo 61, inciso II, alínea “f” do Código Penal (crime cometido prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica).
Pois bem.
Analisando o tipo penal em questão, qual seja, o crime de violência psicológica contra a mulher, percebe-se que sua redação é extremamente similar ao texto previsto no artigo 7º, inciso II da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): “Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,5 chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.”, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
Importa esclarecer que os tipos de violência previstos pela Lei Maria da Penha (rol de incisos do artigo 7º) não se constituem como crimes; trata-se apenas de um rol exemplificativo das hipóteses de violência que a mulher pode ser vítima no ambiente doméstico e familiar, tal como a violência psicológica, moral, patrimonial, física e sexual.
No âmbito de tais violências é que irão se inserir os crimes previstos no Código Penal ou em legislação especial, tal como a lesão corporal, por exemplo, previsto no artigo 129 do mesmo diploma legal, que se insere na modalidade “violência física”, ou o estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, que se trata de uma “violência sexual”.
A Lei Maria da Penha prevê também crimes, porém, esses dizem respeito ao cumprimento de medidas protetivas de urgência, tal como o artigo 24-A: “Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos”.
Ocorre que, com o advento da Lei nº 14.188/2021, foi tipificada, especificamente, no Código Penal, o crime de violência psicológica contra mulher, com uma descrição mais genérica do que como vem prevista na Lei Maria da Penha, legislação essa que, ressalte-se, não previa (e não prevê) tal situação a título delituoso.
Veja-se que a “diminuição da autoestima, “vigilância constante”, “perseguição contumaz”, “violação e de intimidade” e “exploração do direito de ir e vir” foram condutas que o legislador não previu como sendo crime de violência psicológica contra a mulher, apesar de serem assim entendidas pela Lei Maria da Penha nos casos em que tal violência ocorre no ambiente doméstico e familiar.
Importante mencionar também que, recentemente, o Direito Penal brasileiro se deparou com o advento do crime de perseguição (ou stalking), introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 14.132/2021, nos termos do artigo 147-A do Código Penal: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.
É notório que muitas mulheres podem vir a ser vítimas também do crime de perseguição. Nesse último caso, o homem também pode ser vítima do referido crime; no caso do crime de violência psicológica contra a mulher, apenas a mulher pode ser a vítima, sendo que, em ambas as situações, o autor do delito pode ser tanto o homem quanto a mulher.
Com isso, surge a dúvida: qual dos crimes, o do artigo 147-A (crime de perseguição) ou do 147-B (crime de violência psicológica contra a mulher), deve prevalecer quando a mulher for vítima, por exemplo, de reiteradas ameaças?
Seguindo a regra do artigo 147-B, esse só irá incidir caso não exista crime punido com uma pena maior; ocorre que, no caso, ambos os crimes são previstos com uma pena de 6 meses a 2 reclusão.
A única forma de solucionar tal conflito é nos atentarmos para a causa de aumento de pena do crime de perseguição, aduzida da seguinte forma: “§ 1º A pena é aumentada de metade seo crime é cometido: II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termosdo § 2º-A do art. 121 deste Código”
Dessa forma, em sendo o crime praticado em razões da condição do sexo feminino nos termos ora aduzidos, o crime do artigo 147-A deve prevalecer com relação ao do artigo 147- B, pois, com a causa de aumento de pena, se tornará mais grave que esse último.
De todo modo, a revogação da Lei de Segurança Nacional foi uma vitória para a democracia. Além de possuir disposições totalmente incompatíveis com o atual ordenamento jurídico, sua vigência ainda acenava como um resquício do que foi um dos períodos mais sombrios da história brasileira..
*Carla Ripoli Bedone, advogada criminalista atuante no escritório Fernando José da Costa Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduada pela mesma instituição. Especialização em Direito Penal Econômico em andamento realizada pelo IBCCRIM com a Universidade de Coimbra (Portugal). Membro associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
*Gabriel Pires Viegas, advogado criminalista atuante no escritório Fernando José da Costa Advogados. Graduado em Direito pela Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP (2017). Especialização em “Saber Penal y Criminología” - Asociación Latinoamericana de Derecho Penal y Criminología (ALPEC) - (Argentina). Membro associado do Innocence Project Brasil. Membro associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
“Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave”.
Primeiramente, necessário pontuar que, o próprio Código Penal, ao prever aludido delito, dispôs que esse só irá se configurar se não houver tipo penal mais grave que preveja a situação. Por exemplo, o crime do artigo 147-B aduz que está caraterizado crime de violência psicológica contra a mulher a “limitação do direito de ir e vir”. Supondo que no caso concreto referida limitação se insira no artigo 148 do Código Penal, qual seja, sequestro ou cárcere privado (“Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”), esse último deverá prevalecer, pois tem uma pena mais grave (1 a 3 anos de reclusão).
Neste cenário, saliente-se que não é possível a punição por ambos os delitos (artigo 147-B e 148), sob pena de se incorrer em bis in idem, ou seja, uma dupla punição pelo mesmo fato, o que é vedado pelo Direito Penal.
No caso de a mulher ser vítima de cárcere privado, se o crime se inserir em um contexto de violência doméstica, nos termos previstos pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), o autor do delito poderá ser condenado pelo crime do artigo 148, com a agravante genérica do artigo 61, inciso II, alínea “f” do Código Penal (crime cometido prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica).
Pois bem.
Analisando o tipo penal em questão, qual seja, o crime de violência psicológica contra a mulher, percebe-se que sua redação é extremamente similar ao texto previsto no artigo 7º, inciso II da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): “Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,5 chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.”, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
Importa esclarecer que os tipos de violência previstos pela Lei Maria da Penha (rol de incisos do artigo 7º) não se constituem como crimes; trata-se apenas de um rol exemplificativo das hipóteses de violência que a mulher pode ser vítima no ambiente doméstico e familiar, tal como a violência psicológica, moral, patrimonial, física e sexual.
No âmbito de tais violências é que irão se inserir os crimes previstos no Código Penal ou em legislação especial, tal como a lesão corporal, por exemplo, previsto no artigo 129 do mesmo diploma legal, que se insere na modalidade “violência física”, ou o estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, que se trata de uma “violência sexual”.
A Lei Maria da Penha prevê também crimes, porém, esses dizem respeito ao cumprimento de medidas protetivas de urgência, tal como o artigo 24-A: “Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos”.
Ocorre que, com o advento da Lei nº 14.188/2021, foi tipificada, especificamente, no Código Penal, o crime de violência psicológica contra mulher, com uma descrição mais genérica do que como vem prevista na Lei Maria da Penha, legislação essa que, ressalte-se, não previa (e não prevê) tal situação a título delituoso.
Veja-se que a “diminuição da autoestima, “vigilância constante”, “perseguição contumaz”, “violação e de intimidade” e “exploração do direito de ir e vir” foram condutas que o legislador não previu como sendo crime de violência psicológica contra a mulher, apesar de serem assim entendidas pela Lei Maria da Penha nos casos em que tal violência ocorre no ambiente doméstico e familiar.
Importante mencionar também que, recentemente, o Direito Penal brasileiro se deparou com o advento do crime de perseguição (ou stalking), introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 14.132/2021, nos termos do artigo 147-A do Código Penal: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.
É notório que muitas mulheres podem vir a ser vítimas também do crime de perseguição. Nesse último caso, o homem também pode ser vítima do referido crime; no caso do crime de violência psicológica contra a mulher, apenas a mulher pode ser a vítima, sendo que, em ambas as situações, o autor do delito pode ser tanto o homem quanto a mulher.
Com isso, surge a dúvida: qual dos crimes, o do artigo 147-A (crime de perseguição) ou do 147-B (crime de violência psicológica contra a mulher), deve prevalecer quando a mulher for vítima, por exemplo, de reiteradas ameaças?
Seguindo a regra do artigo 147-B, esse só irá incidir caso não exista crime punido com uma pena maior; ocorre que, no caso, ambos os crimes são previstos com uma pena de 6 meses a 2 reclusão.
A única forma de solucionar tal conflito é nos atentarmos para a causa de aumento de pena do crime de perseguição, aduzida da seguinte forma: “§ 1º A pena é aumentada de metade seo crime é cometido: II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termosdo § 2º-A do art. 121 deste Código”
Dessa forma, em sendo o crime praticado em razões da condição do sexo feminino nos termos ora aduzidos, o crime do artigo 147-A deve prevalecer com relação ao do artigo 147- B, pois, com a causa de aumento de pena, se tornará mais grave que esse último.
De todo modo, a revogação da Lei de Segurança Nacional foi uma vitória para a democracia. Além de possuir disposições totalmente incompatíveis com o atual ordenamento jurídico, sua vigência ainda acenava como um resquício do que foi um dos períodos mais sombrios da história brasileira..
*Carla Ripoli Bedone, advogada criminalista atuante no escritório Fernando José da Costa Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduada pela mesma instituição. Especialização em Direito Penal Econômico em andamento realizada pelo IBCCRIM com a Universidade de Coimbra (Portugal). Membro associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
*Gabriel Pires Viegas, advogado criminalista atuante no escritório Fernando José da Costa Advogados. Graduado em Direito pela Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP (2017). Especialização em “Saber Penal y Criminología” - Asociación Latinoamericana de Derecho Penal y Criminología (ALPEC) - (Argentina). Membro associado do Innocence Project Brasil. Membro associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).